quarta-feira, 15 de junho de 2016

ALEVIS: OS OUTROS MUÇULMANOS

O cheiro de lenha e a fumaça branca das chaminés envolvendo as humildes casas do bairro de Piyale Pasa, dando um aspecto de povoado. As foices e os martelos pintados nas cercas dos comércios junto com as iniciais de diversos grupos armados ultra-esquerdistas é o que faz lembrar desse bairro de Istambul. Se trata de um bairro com grande número de pessoas da população alevi, uma ampla minoria religiosa muçulmana que chega a 20 milhões de pessoas em toda Turquia.

Falar dos alevis, várias palavras vem a cabeça, heterodoxia, xiismo, laicismo, esquerda... Existem uma abundante literatura sobre esta comunidade religiosa, mas poucos conseguem explicar o que são os alevis e o alevismo de verdade. De fato, os sunitas mais ortodoxos nem sequer os consideram como muçulmanos, segundo dizem, seguem regras corânicas, "como lhes convém."

Em contrapartida os Alevis afirmam que os  seus opositores sunitas distorcem os significados do Alcorão, como as orações 5 vezes ao dia que não está no Alcorão, o chamamento as mesquitas, a peregrinação e que sunitas inventaram ahadith para dar outros significados ao Alcorão que não fazem parte do mesmo, especialmente aqueles que lidam com Ali e da prática ritual. 
Alguns alevis vão ainda mais longe dizendo que os ahadith foram criados mais tarde por uma elite árabe criados para garantir a dominação árabe do Islão e para escravizar as massas através da manipulação, os Alevis acreditam que seguem um Islão puro, distante das inovações reacionária dos sunitas.

Na realidade os alevis são um grupo muçulmano considerado heterodoxo de influência xiita e como tais, seguem os ensinamentos de Imam Ali, primo e genro do Profeta Muhammad. Mas além disso, são progressistas adotando aspectos de doutrinas pré-islâmicas de caráter xamânico já que sua cultura remonta ao momento em que os nômades turcomanos da Anatólia Central se converteram ao Islam entorno dos séculos XIV e XVI. Era uma época confusa: Agitadores xiitas procedentes da Pérsia se infiltravam entre a população, dervixes qalandaris recorriam os poeirentos caminhos da Anatólia levando haxixe para encontrar a Deus, camponeses oprimidos promoviam levantamentos e personagens como o Xeique Bedredin defendiam uma doutrina próxima ao panteísmo e a organização comunista da sociedade. Daqui, a miscelânea de crenças que configuram o alevismo. Por isso, estudiosos como Umar Ö Oflaz consideram que a verdadeira cultura turca é a que tem conservado os alevis ao longo dos séculos.

Aulas gratuitas de Inglês

Entre os alevis há muitos que não jejuam no Ramadan, senão no mês islâmico de Muharrem. "O alevismo é muito livre, se for até um povo alevi, rezam de uma forma, se for a outro, eles fazem de maneira distinta. Não é como o Islão sunita, nem tem regras, no alevismo não há controles." explica Ismail. Os alevis não atendem o chamamento da reza nas mesquitas, pois eles têm seus próprios lugares santos que prestam culto, os cemevi, cujo nome significa literalmente casa de reunião, sobre isso, os cemevis são muito mais que simples lugares de culto religioso, são também usados para o serviço da comunidade alevi.  No cemevi de Piyale Pasha não só rezam senão que também se dão aulas gratuitas de inglês e informática e durante as cerimônias dos jovens, oferecem uma ceia comunitária.
O cem, a cerimônia ritual dos alevis, é muito diferente da tradicional reza muçulmana sunita, começando pelo fato de que as mulheres e os homens compartilham o mesmo espaço e, entre elas, algumas cobrem somente a cabeça com um pano bem simples e outras rezam com a cabeça coberta. "Para nós homens e mulheres são iguais" afirma Necati Burut.
A cerimônia, em que participam meninos e idosos é dirigida pelo dede (avô em turco) uma pessoa considerada descendente da linhagem de Ali e Muhammad -- e a oferta de presentes é encenada como tapetes, vassouras ou jarros, uma amostra da sobrevivência da cultura rural. 
Outro elemento importante do ritual é o acompanhamento da música do alaúde e a dança, tradição dos pastores nômades realizada em honra a um dos santos alevis:  Pir Sultão Abdal, que se dedicava a compor canções contra o governo otomano.
O Alevi nasce alevi e se forma em sua comunidade. A causa desta inescrutabilidade dos Alevis poderia muito bem estar nas perseguições a que foram submetidos desde os tempos do Império Otomano, quando o Sultão Selim, o cruel tentou impor a força da fé sunita sobre toda Anatólia. É por isso que a maioria das pessoas são alevis nas montanhas durante séculos, porque não fugiram para escapar da espada do Sultão.

Trindade Curiosa

Pela mesma razão, alevitas acolheram calorosamente a república laica em 1923. O escritório de Kazim Sizer, dirigente de uma fundação alevi, está presidido por uma curiosa trindade: os retratos de Ali, Bektas Veli, santo reverenciado pelos alevis e Mustafa Kemal Ataturk, fundador da Turquia moderna. "Compartilhamos com a república os valores do laicismo, a democracia e a igualdade entre sexos." Explica Sizer e enfatiza o pedido da retirada do ensino religioso nas escolas turcas.
"Vamos ser um, sejamos fortes, nós vivemos", é uma das máximas de Bektashi Veli que enfeitam o Cemevi. Por seu caráter tolerante, carinhoso e comunitário não é surpreendente que os Alevis tomassem partido durante muitos anos pelos movimentos marxistas, os quais tiveram objetivos nacionalistas e islâmicos (massacre de Sivas em 1993). "Os alevitas sempre foram revolucionários -- relata com uma piscadela Turan Kaya -- desde que nós nos opomos contra o Sultão Selim até agora."

Elementos Sufis no Alevismo

O Alevismo também tem a sua inspiração nas tradições místicas sufis. Por exemplo, o conceito de Deus no Alevismo é derivado da filosofia do Místico Sufi Ibn Arabi e envolve uma cadeia de emanação de Deus, ao homem espiritual, o homem terrestre, os animais, plantas e minerais. O objetivo da vida espiritual é seguir este caminho no sentido inverso, a unidade com Deus, ou Haqq (Realidade, Verdade). A partir da perspectiva mais elevada, tudo é Deus (Wahdat ul-Wujood). Alevis admitem Mansur Al-Hallaj, um Sufi do século X que foi acusado de blasfêmia e posteriormente executado em Bagdá por dizer "Eu sou a Verdade" (Ana al-Haqq).
Há agumas tenções entre a tradição folclórica Alevi e a Ordem Bektashi. que é uma ordem Sufi fundada em crenças alevitas. Em algumas comunidades turcas, outras ordens Sufis tais como a Halveti-Jerrahi e alguns Rifa'i tiveram uma influência Alevi significativa.

Alevis e Imam Khomeini

Como Alevis aceitam os 12 imames xiitas o respeitável Ayatollah Khomeini r.a decretou que os Alevis fazem parte do xiismo na década de 1970. Se deve ressaltar no entanto, que há costumes e rituais que são distintos dos duodécimos no Iraque e Irã. 

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