domingo, 25 de setembro de 2016

MASNAVI: O ESCRAVO HINDU QUE AMAVA A FILHA DE SEU AMO

Um certo homem tinha um escravo hindu, que educara junto com seus filhos, sendo um deles uma menina. Quando chegou o momento de conceder a filha em casamento, muitos pretendentes se apresentaram e ofereceram grandes dotes para conquistar sua mão. Finalmente, seu pai selecionou um, que não era de modo algum o mais rico nem o mais nobre de todos, mas que era piedoso e bem educado. As mulheres da família teriam preferido um dos jovens mais ricos, mas o pai insistiu em fazer as coisas a seu modo, e o casamento foi decidido de acordo com seus desejos.
Assim que o escravo hindu soube disso, adoeceu e a mãe da moça descobriu que ele estava apaixonado por sua filha e aspirava a honra de desposá-la.
A senhora ficou muito transtornada com esse infeliz incidente e consultou seu marido, para saber o que seria o melhor a fazer. Ele disse: "Guarde essa história em segredo, pois vou curar o escravo de sua presunção, de modo que, de acordo com o provérbio 'o espeto não será queimado, mas a carne será bem assada'." Ele disse à esposa que animasse o escravo com a esperança de que seu desejo seria realizado e que a moça lhe seria dada em casamento. O pai, então, celebrou um casamento simulado entre o escravo e a moça, mas durante a noite, trocou a moça por um menino vestido de mulher, e o resultado foi que o noivo passou a noite brigando com sua suposta noiva. Na manhã seguinte, ele teve uma entrevista com a moça e sua mãe e disse que não queria mais nada com ela, pois, embora sua aparência fosse muito sedutora à distância, um relacionamento mais íntimo destruíra o encanto.
Assim, também os prazeres do mundo parecem doces até serem experimentados, quando então se descobre que são muito amargos e repulsivos. O Profeta declarou que "a paciência é a chave da felicidade"[1]; em outras palavras, aquele que se controla e se abstém de entregar-se aos prazeres do mundo encontrará a verdadeira felicidade; mas esse preceito não produz uma impressão durável na maioria dos homens. Quando uma experiência amarga os surpreende, tal como a dor de uma queimadura que aflige as crianças, ou como as mariposas que brincam com o fogo, ou a dor da amputação de um ladrão, eles amaldiçoam as tentações ilusórias que lhes causaram essa dor; porém, assim que a dor diminui, correm atrás dos mesmos prazeres com a mesma ânsia de sempre. Isso está divinamente ordenado, pois "Deus pode eliminar a astúcia dos descrentes".[2] Seus corações, por assim dizer, foram inflamados pela chama da experiência amarga, mas Deus apagou as centelhas da boa resolução, fazendo com que esquecessem sua experiência e seus votos de abstinência, de acordo com o texto: "Toda vez que a fogueira de um acampamento de guerra é acesa, Deus a extingue".[3] Isso é ilustrado pelo conto de um homem que ouviu passos em sua casa à noite, e imediatamente acendeu uma vela; mas o ladrão apagou-a sem ser notado, e o homem ficou com a impressão de que a vela se apagara sozinha. Isso leva o poeta a discorrer novamente sobre seu tema favorito da atuação exclusiva de Allah.
Em seguida, para proporcionar a correta moral dessa doutrina, conta-se outro conto a respeito de Mahmud e Ayáz. Os cortesões se queixavam porque Ayáz recebia o estipêndio de trinta cortesões, e Mahmud, por meio de um teste prático, convenceu-os de que os talentos de Ayáz equivaliam aos de trinta homens. Os cortesões replicaram que isso se devia a uma graça de Deus, e não a qualquer mérito da parte de Ayáz; o rei refutou assinalando que a responsabilidade e o mérito, ou demérito, de um homem por suas ações são reconhecidos no Alcorão. Iblis fora condenado por dizer a Deus: "Me fizeste errar"[4] e Adão foi louvado por dizer: "Nós nos enegrecemos".[5] E em outro lugar está dito: "Quem tiver feito um bem do tamanho de um átomo o verá. E quem tiver feito um mal do tamanho de um átomo o verá".[6]



[1] Freytag, Arabum Proverbia, III.270.
[2] Alcorão VIII. 18
[3] Alcorão V.64.
[4] Alcorão VII. 15,22.
[5] Alcorão VII. 15,22.
[6] Alcorão XCIX. 7.

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